domingo, 26 de abril de 2009

S. Frei Nuno de Santa Maria, uma história de Portugal por Jaime Nogueira Pinto

S. FREI NUNO DE SANTA MARIA
UMA HISTÓRIA DE PORTUGAL

D. Nuno Álvares Pereira vai ser canonizado no próximo dia 26 de Abril pelo Papa Bento XVI. Foi outro Papa Bento, Bento XV, quem beatificou Nun’Álvares, em 1918, no último ano da Grande Guerra, essa imensa carnificina entre as nações da Europa cristã.
A Igreja Católica, portadora do Evangelho das bem aventuranças e do ideal da exaltação dos pacíficos, mas vivendo no mundo real, tinha que dar uma resposta à desolação da Europa das trincheiras. Não podendo acabar com o conflito, procurava humanizá-lo.
Fizera-o na Idade Média, ao criar as tréguas de Deus e ao cristianizar a Cavalaria, com o modelo do cavaleiro cristão. Bento XV reconhecera em Nun’Álvares esse modelo vivo do soldado cristão.
Nascido a 24 de Junho de 1360, em Cernache do Bonjardim, Nun’Álvares morreria frei Nuno de Santa Maria no convento do Carmo em Lisboa, a 1 de Abril de 1431. Quisera ser simples donato no convento que mandara construir, despojando-se de tudo e dedicando-se à oração e aos pobres da cidade.
Fora um grande estratega, mas também um combatente no terreno. Aplicara na guerra peninsular os ensinamentos tácticos da batalha de pé em terra: cavalaria desmontada, archeiros e besteiros nas alas, formação cerrada ao modo da falange antiga, numa carapaça móvel – e impenetrável – de escudos e lanças. Seguro nas convicções da sua luta, cuidava bem da parte técnica - informação, comando e controlo, escolha do terreno, ordem de batalha. E assim vencera os Atoleiros, Aljubarrota e Valverde nos anos decisivos para a independência de 1383-85.
Tive a sorte de o meu pai me ter dado a Vida de Nun’Álvares, de Oliveira Martins, quando fiz nove anos. Li-o nessa idade, no tempo do «mundo encantado», como o era a Idade Média de Nun’Álvares. À semelhança do jovem David do Livro dos Reis e de olhos postos em Galaaz, Nun’Álvares era alegre e livre e não tinha medo de nada porque Deus estava com ele.
Filho – com mais trinta e um rapazes e raparigas – do prior do Hospital, D. Álvaro Gonçalves Pereira, Nuno fora pajem de Leonor Teles e casara aos 16 anos com D. Leonor de Alvim, uma dama nobre, rica, formosa, viúva e virgem de Entre-Douro e Minho. De D. Leonor teve uma filha sobreviva – D. Beatriz –, por quem é antepassado da casa de Bragança e de metade da realeza europeia.
A independência de Portugal levara-o a juntar-se ao Mestre de Aviz. Era uma guerra justa – canonicamente e cristãmente – de defesa da terra e do povo contra os castelhanos, estrangeiros, invasores e predadores. Justa era a causa, mas também, com ele, os meios: ao contrário dos usos do tempo, Nun’Álvares fazia a guerra sem ódio ao inimigo, não permitia o saque selvagem, tratava bem os seus soldados e os prisioneiros, respeitava os não combatentes. E comandava falando, comunicando, explicando. E encomendando-se a Deus antes e até durante as batalhas, como em Valverde.
Foi o soldado da independência, como D. João I foi o chefe e Álvaro Pais e João das Regras foram os políticos. E as gentes das cidades de Lisboa e do Porto, mais a arraia miúda alentejana, os militantes da primeira hora.
Se somos hoje independentes, se há Portugal e há portugueses, é porque estes homens – príncipes, nobres, burgueses, clérigos, povo miúdo – estiveram ali, da revolução de Lisboa de 1383 até à tarde de 14 de Agosto de 1385 em Aljubarrota, com a sua coragem e o seu medo, a sua esperança e a sua cólera, a sua fé e a sua raiva. E com as bandeiras, as espadas, as lanças, os arcos, os escudos.
Nun’Álvares – agora S. Frei Nuno de Santa Maria – esteve com eles, ao seu lado e à sua frente. Como está hoje connosco e com Portugal.
Jaime Nogueira Pinto
In Expresso, 28.03.09.

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