domingo, 26 de abril de 2009

Iconografia do Santo Condestável por D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa

As descrições fisionómicas de Nuno de Santa Maria, referidas pelos cronistas carmelitas, apontam como características principais do seu rosto: comprimido e branco, nariz afilado, olhos pequenos e vivos, sobrancelhas arqueadas, rugas na testa, boca pequena, cabelo e barba ruivos, sendo esta pouco densa e caída.
Quando se trata de iconografia de santos, a primeira questão é saber se há “verdadeira efígie”. Ora, para São Nuno de Santa Maria é considerado um retrato do século XV, no espaldar da sacristia do Convento do Carmo de Lisboa, de meio-corpo e vestido como donato carmelita (meio-irmão). Este quadro ardeu no terramoto de 1755, mas conservam-se muitas figurações semelhantes. Comecemos, por isso, esta sucinta evolução iconográfica do Condestável pela representação de donato carmelita, antes de passarmos à veste de guerreiro.
Carmelita
São inspiradas no quadro do Carmo: pintura do século XVI, da Casa Pombal-Oeiras-Santiago; a xilogravura da segunda edição da Crónica do Condestabre (1554) e um desenho de Fr. Manuel de Sá de 1721. Há no Museu Nacional de Arte Antiga dois retratos (séc. XVII) de São Nuno, de meio-corpo. Um veste D. Nuno com capa branca, imprópria de um donato. Outro, proveniente do Mosteiro de S. Vicente de Fora, continua a revesti-lo de murça, com gola ornada por abertura. Muito semelhante é a gravura a buril de Pieter Perret para a edição do poema de Francisco Rodrigues Lobo, de 1610. Aqui coloca-lhe, pela primeira vez, um rosário ou camândula, na mão direita encostada ao peito.
A primeira imagem a mostrar Nuno de Santa Maria de corpo inteiro, na veste de religioso, é a rude pintura seiscentista sobre tábua (Moura). Mostra o donato com rosário e bastão na mão direita, segurando na esquerda maqueta de igreja.
Bernard Picart (1673-1733) executou primorosas gravuras (1722) para a obra de António Rodrigues da Costa. Numa delas, Nuno Álvares aparece na cela, como religioso. É representado com capa curta. Cruza os braços, empunhando um bastão na mão esquerda e um livro na direita, em leitura interrompida. Na mesa, ao lado esquerdo, está um crucifixo sobre uma caveira e na parede uma pintura com Nossa Senhora do Carmo. Há cópias livres desta imagem em avulso. Esta figuração seria seguida de perto por G. F. L. Debrie, na gravura patente na obra de Domingos Teixeira (Vida de Dom Nuno, 1749).
Uma tábua da igreja de S. Domingos de Viana do Castelo representa o busto do santo, com cruz na mão direita, voltada para o observador. Curioso é um registo romano do século XVIII, no qual o carmelita tem elmo na cabeça e bastão de comando na esquerda.
É como carmelita que o escultor Salvador Barata Feyo o representa na colunata de Fátima. Também assim aparece na fachada da Igreja da Senhora da Conceição (1947), no Porto, em obra de Henrique Moreira, segurando as vestes com os braços cruzados sobre o peito. Na direita segura uma cruz que pode confundir-se com a parte superior de uma espada, como que escondida debaixo do hábito. Em 1958, Irene Vilar faz estudos para a escultura em madeira existente na Igreja dos Congregados. Também esta figura tem os braços cruzados sobre o peito.
Maria Amélia Carvalheira é autora de baixo-relevo para a Casa Beato Nuno em Fátima. O carmelita sustenta uma bandeira na esquerda e o rosário na direita. No chão, o elmo e a espada. Leopoldo de Almeida esculpiu a imagem para a fachada da Igreja do Santo Condestável, em Lisboa. Tem livro aberto sobre o peito, seguro pela direita e na esquerda a espada e o rosário. Muitos santeiros, sobretudo em 1961 a anos seguintes, criaram imagens de terracota e madeira para diversas igrejas.
Condestável
Voltando à versão retratista consideremos, agora, a representação de São Nuno como guerreiro. A primeira figura conhecida é uma xilogravura da Crónica do Condestabre, da edição de Germão Galhardo, 1526. Trata-se de Nuno Álvares Pereira de corpo inteiro, de pé, calvo. Revestido de armadura, sustenta com as duas mãos a maça. No chão, à sua direita, o elmo.
A tela (séc. XVI-XVII) da Casa do Cadaval, em Sintra, apresenta Nuno armado com rico arnês e pelote ornamentado. Na direita segura a maça e na esquerda a espada. No canto superior esquerdo, vê-se o brasão dos Pereiras, e no canto inferior direito, o elmo. O retrato, pertencente à família dos condes de Penamacor, mantém um rosto fiel às indicações primitivas. Reveste apenas arnês, sem pelote. Na direita sustenta bastão de comando e apoia a esquerda na anca. O elmo está em mesa lateral. Ostenta aqui a terrível facha, qual arma de recurso decisiva em Aljubarrota.
Em gravura de Pedro de Villa Franca Malagón (1640) para a obra de Rodrigo Mendes da Silva, o santo reveste arnês e tem a espada na direita, encostada ao ombro. Muito semelhante é a gravura do frontispício da obra Propugnaculum Lusitano gallicum, de 1647. Refere em listel inferior “Assertor portugalliae”, que passou a nomear este tipo de imagem.
O já referido gravador Bernard Picart executou um retrato de Nuno Álvares como guerreiro, na qual o Condestável veste armadura, com pelote decorado com armas dos Pereiras. A espada pende da armadura. Na direita empunha uma maça de armas e apoia a mão esquerda no quadril. Em segundo plano, vê-se, na esquerda, uma cena de batalha. Sobre uma mesa o elmo. Esta imagem seria reproduzida com frequência.
No tecto do Palácio Ducal de Vila Viçosa, na sala dos Duques, está pintado o Condestável de corpo inteiro, de pé, vestido de armadura, aqui de capacete emplumado, a empunhar uma grossa maça e cingido por uma faixa vermelha, semelhante à pintura da família dos condes de Penamacor, onde também pousa a mão no quadril.
Após a beatificação, em 1918, multiplicam-se as imagens. Figurado como guerreiro, com a mão direita sobre o peito e espada, escudo e capa na esquerda é a Estátua de B. Verghetti, existente no Pontifício Colégio Português (1925). Pela mesma data, também Maria do Carmo dos Santos Pereira de Vasconcelos esculpiu um Nuno jovem guerreiro, com as duas mãos a sustentar a espada, elmo no chão e olhos no alto. Encontrava-se na sala das sessões da Juventude católica, em Lisboa.
A Escola Prática de Infantaria de Mafra mandou executar (1950) uma escultura do guerreiro, com elmo e couraça. Segura a espada na direita sobre o peito e na esquerda o grande escudo, com a cruz dos Pereiras.
Recente é a estátua equestre de Nuno Álvares, obra de Simões de Almeida, implantada junto ao mosteiro da Batalha. O Museu de Amarante conserva desenho de António Carneiro (1927) com São Nuno a cavalo, com espada na mão esquerda.
Deixando, por agora, de lado representações raras com atribuição duvidosa, podemos referir a representação de Nuno como pagem num fresco do Palácio da Justiça do Porto, feito por Dórdio Gomes.
Cenas da vida
Uma posição que iria ser muito glosada consiste em representar o santo de joelhos, em oração.
É o caso do registo holandês do século XVIII, no qual Nuno Álvares está diante de imagem de Maria, em altar. No chão uma coroa ducal e um elmo de guerreiro.
O famoso gravador Debrie executou (1749), para a Chronica dos Carmelitas de José Pereira de Santa Ana, a representação de diversos episódios: 1) Capítulo de 1423; 2) Nuno Alvares à porta do convento do Carmo; 3) Nuno de Santa Maria, vestido de donato, acompanha arquitecto e três religiosos em visita às obras do convento;
Também setecentistas são os azulejos da Igreja de Nossa Senhora da Orada, em Sousel, com as seguintes cenas: 1) Nuno Álvares manda edificar um convento; 2) Nuno Álvares de joelhos diante de imagem de Maria; 3) Nuno Álvares em oração, de joelhos, enquanto uma legião de anjos sobe escada; 4) Nuno acorre à batalha dos Atoleiros. O azulejo foi também usado por Jorge Colaço, seja na Capela de Fradelos, no Porto, onde o Condestável está de joelhos, seja na grande cena da Estação de S. Bento, Porto, que representa o santo a cavalo, na entrada de D. João I na cidade do Porto. O azulejo da Igreja da Senhora da Conceição, no Porto, mostra Nuno Álvares com bandeira erguida na esquerda e espada na direita, diante de campo de batalha e da fachada do Mosteiro da Batalha.
Na Casa-mãe dos Carmelitas Calçados (1916), em Roma, Giuseppe Gonnella pintou duas telas: 1) Vestição ou imposição do hábito a Nuno Álvares, copiada em azulejo da igreja do Carvalhido. 2) D. Nuno carmelita, com a mão direita estendida a apontar para uma mesa, sobre a qual estão a sua bandeira, a espada e o elmo.
Alfredo Morais tratou vários passos da vida de Nuno Álvares Pereira: 1) prostrado em oração em plena batalha de Valverde; 2) Nuno Álvares em glória (1932). 3) Nuno Álvares à porta do convento, a mostrar o arnês debaixo do hábito.
O escultor Teixeira Lopes criou um belíssimo tríptico condestabriano, em baixo-relevo seleccionando três momentos da vida do santo: 1) Nuno de Santa Maria a cavalo, orientado por uma espécie de anjo; 2) Nuno Álvares semi-ajoelhado faz promessa diante da Maria; 3) Morte de Nuno de Santa Maria. Em 1929, esculpiu um baixo-relevo intitulado “Visão”. Finalmente existe também um relevo denominado “Ditosa pátria” que junta o nosso herói com Camões, a homenagear a Pátria. O pintor Sousa Lopes tem telas no Museu Militar.
São interessantes as criações para ilustrar livros: Carlos Carneiro, Gouvêa Portuense e Martins Barata, por exemplo. Martins Barata executou um fresco para a Igreja de Santo Eugénio em Roma, dedicado à Senhora de Fátima. Aí mostra vários santos portugueses, entre os quais São Nuno de joelhos, mãos erguidas, com a bandeira do lado esquerdo e a espada no chão.

D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa

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