domingo, 26 de abril de 2009

Jornal de Notícias: D. José Policarpo: "Estado convive mal com a Igreja"


"O nosso Estado convive mal com a Igreja e com a santidade" e deu pouco relevo à canonização de D. Nuno Álvares Pereira.
Uma atitude que ocorre "pelo menos em público" e que o cardeal patriarca de Lisboa atribui à "separação da Igreja do Estado" e à "declaração de laicidade do Estado com tudo o que isso acorrentou de compreensão da ideologia que conduz a vida pública". A culpa não será da má vontade, mas antes do "contexto cultural".
D. José Policarpo - que falava ontem em Roma, no Pontifício Colégio Português, em conferência de Imprensa - lamenta a discrição do poder político face à canonização do beato Nuno de Santa Maria, em oposição ao que acontece quando se trata de portugueses autores de feitos culturais ou desportivos.
O cardeal admite contudo que a exaltação do beato Nuno de Santa Maria compete à igreja e aos fiéis. "No contexto em que estamos, até fiquei contente que a reacção oficial fosse discreta, porque penso que reacção mais verdadeira compete-nos a nós, a todos os que estão sensíveis a estes valores, porque de contrário poderíamos cair na exaltação patriótica" de outros tempos.
Ora, essa foi justamente a responsável, diz, pelo arrastar do processo de canonização. A figura do Condestável foi instrumentalizada em nome de causas nacionais e isso prejudicou a sua dimensão espiritual. "Trata-se de um acto da ordem da fé e não estamos perante uma exaltação patriótica de um grande português". Porque a canonização é "é um reconhecimento pela autoridade máxima do pontífice romano da santidade de um cristão" e da "maneira como ele viveu a sua fé, dando sentido a tudo o que fez".
A mistura dos dois conceitos - "tentar fazer da canonização uma exaltação patriótica" - acabou por prejudicar o próprio processo, acredita D. José Policarpo. E faz referência, designadamente, ao Estado Novo, que misturou a canonização com a causa nacional, amortecidas pela guerra colonial.
A exaltação patriótica que fique com quem tem essa responsabilidade - "os historiadores" -, devendo ser posto o "assento naquilo que é específico da Igreja que é contemplar o mistério da santidade de um cristão em todas as circunstâncias".
O cardeal patriarca de Lisboa admite, contudo, o valor de Nuno Álvares Pereira enquanto guerreiro, até porque soube "sê-lo com critérios cristãos", impedindo "violências escusadas" e abusos dos soldados.


In Jornal de Notícias, 26.04.2009

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