domingo, 26 de abril de 2009

Nuno Álvares por João Ameal

NUNO ÁLVARES

«A Idade Média portuguesa está cheia de esplêndidas figuras representativas. Desde os grandes Reis da Fundação, da Reconquista, do Povoamento, do Descobrimento: Afonso I, com sua espada criadora do Reino Novo; Sancho I, que o engrandece e restaura: Afonso II, que lhe dá o inapreciável benefício de uma autoridade firme; o desventurado Capelo, conquistador de tantas terras no sul; Afonso III, que marca à Nação o definitivo contorno; o Lavrador da Terra e do Espírito, Dom Dinis; Afonso IV, cavaleiro intrépido e jovial; Fernando, perdido de amores fatais mais verdadeiro iniciador do nosso poderio marítimo; João I, chefe exemplar de um Povo desperto e de uma Família extraordinária — desde os grandes Reis, aos heróis da Sabedoria ou da Guerra. Um nome apenas entre os primeiros: esse maravilhoso Santo António de Lisboa, flor franciscana da superior cultura da sua época, Doutor e pregador de fama, aceso em sagradas cóleras contra os albigenses heréticos, glosador eloquentíssimo dos Evangelhos, generoso dispensador de milagres. Entre os segundos, um nome apenas: o de Nuno Álvares, que vimos coberto de loiros no bravo tumulto das batalhas e agora encontramos, neste primeiro quartel do Século XV, a esplender na pura atmosfera do claustro.
É o mais valoroso cavaleiro do tempo. Alcança triunfos inverosímeis: Atoleiros, Aljubarrota, Valverde, quantos! Revela sempre um sentido prático, infalível da táctica militar — quando escolhe e fortifica a posição que os nossos ocupam no dia de Aljubarrota; quando adopta o famoso dispositivo do quadrado; quando dirige e comanda os mais denodados ataques, indiferente ao risco e ao número de inimigos, primeiro de todos na arrancada e na temeridade. De súbito, porém, solicitado por enigmático e longínquo apelo, detém-se a murmurar orações, ausenta-se do campo da luta, escuta, surdo ao estrépito dos choques de armas e de exércitos, as vozes ocultas que lhe falam de além-mundo. Compreende-lhes a estranha linguagem, dialoga com elas, entra, extasiado, no seu convívio sobrenatural.
Ganha as maiores honras e a maior fortuna. Condestável desde 1385; Conde de Ourém a seguir a Aljubarrota; Conde de Barcelos após Valverde — a gratidão régia enche-o de títulos e domínios; pertence-lhe a terça parte do território. Dom João I escolhe sua filha Beatriz para mulher do Infante Dom Afonso; o novo casal, dotado com avultadíssimos bens, será o tronco da poderosa Casa de Bragança: dela sairá no futuro larga série de Monarcas portugueses.»

João Ameal
In «História de Portugal», Livraria Tavares Martins, 6.ª edição, Porto, 1968, págs. 185/186/187.

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