Patriarca recusa “exaltação patriótica” do Condestável e lamenta “pouca” atenção do Estado
O cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, recusou esta tarde, em Roma, a “exaltação patriótica” da figura do Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Em algumas épocas, “a exaltação patriótica prejudicou o processo de canonização”, referiu.
D. José falava numa conferência de imprensa a propósito da canonização de frei Nuno de Santa Maria, que amanhã o Papa proclamará na Praça de São Pedro. O patriarca recusou por diversas vezes a ideia de um aproveitamento nacionalista da figura do general que derrotou os castelhanos em Aljubarrota, em 1385: “Punhamos de parte toda a exaltação patriótica e punhamos o acento naquilo que é específico da Igreja, de contemplar o mistério da santidade em todas as circunstâncias”.
Admitindo que desde o início o processo foi “muito atribulado”, o cardeal entende que a “exaltação patriótica” tenha aparecido em diferentes fases da história portuguesa. Desde logo, pela “história atribulada” das relações com Castela.
Um dos episódios de tais tribulações foi com o ditador Oliveira Salazar. “Consta que [Salazar] quis fazer a oferta [de canonizar o Condestável] aos irmãos espanhóis”, ironizou o patriarca. “Houve uma grande misturada de questões patrióticas” e de uma “causa nacional”. E o facto de em Lisboa ter sido consagrada uma igreja paroquial ao Santo Condestável, nos anos 40, “amorteceu o entusiasmo pela canonização”, afirmou.
Na mesma linha, o historiador e reitor da Universidade Católica, Manuel Braga da Cruz, disse que o aprofundamento do conhecimento do Condestável permitirá conhecer o “sucesso” da sua vida. Um fenómeno que permitiu mesmo a instrumentalização da sua figura.
Braga da Cruz reiterou que está a ser canonizada “uma das figuras maiores da história de Portugal – esquecer isto é ausência de responsabilidade”. E admite que “qualquer grupo tem legitimidade para reivindicar a herança” do Condestável. Já aconteceu com republicanos como António José de Almeida e Jaime Cortesão, com poetas como Pessoa e Camões ou com o regime do Estado Novo, referiu.
D. José Policarpo considera que a partir de agora há muito para fazer, nomeadamente pelos investigadores: a relação do Condestável com a mãe será um dos aspectos que o patriarca considera indispensável investigar. “Tudo leva a crer que terá sido uma pessoa marcante na primeira parte da vida de D. Nuno”.
Do mesmo modo deve ser estudada a relação com o mestre de Avis e futuro rei D. João I. “Em que medida o projecto de D. Nuno para Portugal coincidia com o de D. João? Tudo leva a crer que, se ele quisesse, poderia ter sido ele o rei. Mas ele não quis”, afirmou.
Cura, peça “secundária”
Sobre a cura que permitiu a canonização de frei Nuno de Santa Maria – Guilhermina de Jesus, cozinheira, ficou sem ver por causa de óleo a ferver que lhe atingiu o olho esquerdo, aparecendo depois curada –, o patriarca diz que essa “é uma peça secundária”. O processo, confidencial, diz que os médicos consultados concluíram que a cura poderia ter sido por causa miraculosa ou por causa dos medicamentos. “Certo é que a senhora ficou a ver de repente.” Sobre a importância dada pelo Estado português à cerimónia, o patriarca considera que é “pouca”. O Estado ainda “convive mal com a realidade da Igreja e da santidade.” Apesar disso, diz ter ficado “contente com a reacção discreta”. Porque, frei Nuno de Santa Maria servisse “para alguma causa, já teria servido”.
O patriarca admite que faz falta “uma boa biografia” do Condestável. E que recebeu cartas de protesto pela canonização: “Perguntam-me como se canoniza um home que matou? Mas ele impedia violências escusadas, os saques, a preocupação com os feridos do inimigo”. Essa é outra faceta que, além do homem que deixou todos os bens para se tornar frade carmelita, importa reter. “Numa coisa D. Nuno não deixa consciências tranquilas: a acomodação ao imediato. Ele é inconciliável com a mediocridade.”
O patriarca admite que faz falta “uma boa biografia” do Condestável. E que recebeu cartas de protesto pela canonização: “Perguntam-me como se canoniza um home que matou? Mas ele impedia violências escusadas, os saques, a preocupação com os feridos do inimigo”. Essa é outra faceta que, além do homem que deixou todos os bens para se tornar frade carmelita, importa reter. “Numa coisa D. Nuno não deixa consciências tranquilas: a acomodação ao imediato. Ele é inconciliável com a mediocridade.”
António Marujo
Público, 25.04.2009
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