sábado, 11 de setembro de 2010

Nuno Álvares, Chefe Militar. Texto de Brandão Ferreira

“Não haja medo por serem tantos! Conheço-os bem, pois lavei as minhas mãos no sangue deles, em Trancoso! O que vão é dar-nos muito trabalho a matar, porque são muitos!”
Egas Coelho, antes de Aljubarrota se dar
Tenho para mim que o Comando e a Liderança são o fulcro de toda a actividade militar e pode-se dizer que D. Nuno bem passou dos conceitos à boa prática. Do comando, que tem a ver fundamentalmente com o uso da autoridade investida fez o Condestável bom uso, em termos de pessoal, na táctica, na logística, na organização do terreno, das tropas e da disciplina.
Vindo comandar do latim “cum+mandare”, que quer dizer mandar com os outros, nunca D. Nuno mandou sozinho, ouvindo o seu conselho e dirigindo-se às tropas, sem embargo de manter uma disciplina estrita e regras éticas.
Como líder conduzia os homens de um modo personalizado, protegia-os, motivava-os, moralizava-os invocava princípios superiores, incutia-lhes Fé e dava o exemplo.
Numa palavra, fazia-se amar pelos seus homens que é o estádio mais elevado a que pode aspirar um chefe militar.
Com D. Nuno Álvares a hoste medieval indisciplinada e desorganizada por natureza, tornou-se uma unidade coesa e com unidade de comando. A sua tropa estava disposta a morrer, pelejando, e isto faz toda a diferença.
Convém elaborar um pouco sobre o pequeno Exército do Condestável.
O núcleo inicial desta força foi constituída após a nomeação de D. Nuno como Fronteiro - Mor de entre Tejo e Odiana a seguir ao levantamento do cerco de Lisboa, pelo Rei de Castela, em 1384.
D. Nuno apostou na qualidade e pediu a Peres Anes Lobato que conhecia bem os homens de armas de Lisboa, que lhe escolhesse “poucos mas honestos e valentes e de preferência alentejanos!”
Estamos em crer que D. Nuno organizou a sua hoste um pouco à semelhança das Companhias Livres, que eram grupos de mercenários que tinham surgido na Europa na sequência da Guerra dos 100 anos e faziam um contrato – um condotte – com uma das partes da contenda batalhando por esta. Algumas destas “companhias” estacionaram em Portugal desde o tempo de D. Fernando. Estas companhias estavam por assim dizer, profissionalizadas, conheciam as últimas tácticas e técnicas e o armamento mais moderno.
D. Nuno terá substituído na sua hoste, o lucro financeiro pelo patriotismo.
Apesar de muito novo o Fronteiro Mor não deixava nada ao acaso; treinava as tropas e testava-as. Por exemplo poucos dias depois de ter saído de Lisboa para o Alentejo estando acampados perto de Setúbal, provocou um falso alarme, dizendo que 300 lanças castelhanos vinham sobre eles. E constatou com alegria como de pronto se aprestaram em ordem e com bom ânimo para o combate, concluindo, que a sua hoste era como um corpo vivo, por onde circulava o bom sangue do mesmo bom desejo”!
Para além de um conjunto alargado e homogéneo de virtudes militares que características podemos evidenciar em D. Nuno?
Para já a aprendizagem e o conhecimento. Camões afirmava que “não houve bom capitão que não fosse douto e ciente” e o condestável cedo aprendeu as novas tácticas e técnicas do seu tempo. Preparou-se para a guerra do futuro e não para a do passado.
Ligado a este saber temos a iniciativa e a inovação, que se pode sintetizar nas palavras de Fernão Lopes “ Este D. Nuno foi o primeiro que da memória dos homens até este tempo, pôs batalha pé terra em Portugal e venceu …”.
Usava de astúcia e era exímio organizador de terreno, não só escolhendo locais adequados para dar batalha como pela utilização de abatizes, valas e covas de lobo. Era na organização do terreno que D. Nuno conseguia contrabalançar o efeito do número, como tão bem ficou demonstrado em Aljubarrota.
Mas D. Nuno sabia usar a audácia e o risco calculado em alto grau. Era capaz – tal como Mouzinho - de arriscar tudo em lances decisivos. Tinha Fé e se algumas vezes teve dúvidas, guardava-as para si.
Apesar da benegnidade do seu relacionamento não deixava de ser um disciplinador severo, pois sem disciplina não existe exército, e disso nos dá conta também Fernão Lopes “pos e os todos em batalha per hordenança como devia, e assi foram regidos pée terra…” Impôs ainda, e por exemplo, a expulsão de todas as mulheres da hoste e bem assim proibiu o jogo de dados” – Não creio que estas medidas estejam desactualizadas!...
Conto aqui um pormenor: o único pertence de D. Nuno que aparentemente chegou aos nossos dias, é a espada que está no Museu Militar. Essa espada cuja lâmina de origem alemã, é original, ao contrário do punho que é do século XVI, não era a sua espada de combate, mas era o seu símbolo de autoridade, pois era a espada de execução. Estava à guarda do seu Meirinho Mor João Gonçalves que também professou na Ordem do Carmo e mais tarde entrou para o Convento de Lisboa, com D. Nuno. Foi ele que a levou para lá e assim se salvou.
Finalmente a última característica que gostaria de salientar é a coragem moral de D. Nuno. E esta nos grandes chefes é ainda mais importante do que a coragem física.
Munido dessa coragem D. Nuno soube sempre defender aquilo em que acreditava duma maneira leal, mas também frontal. E não teve pejo de enfrentar o Conselho do Rei e o próprio Rei. Por vezes estas atitudes só não se transformaram em desobediência porque o monarca acabou por concordar com as suas posições.
Num outro campo houve divergências. Refiro-me ao cerco e tomada de vilas e cidades. D. João I empenhou-se nestas acções enquanto que D. Nuno as evitava.
Temos que julgar os dois personagens em âmbitos distintos, porém, D. João era o Rei e por isso tinha que atender a todos os negócios e a todas as sensibilidades. D. Nuno era apenas o Comandante do Exército.
Mas a amizade e a lealdade entre os dois homens manteve-se incólume até ao fim do seus dias, coisa rara também de se ver, no reino de Portugal.
E a ditadura do tempo obriga-me a ficar por aqui.