quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A lição de Aljubarrota: apontamento teatral de António Manuel Couto Viana


A LIÇÃO DE ALJUBARROTA

Apontamento teatral de António Manuel Couto Viana.
Pequeno apontamento teatral sobre o tema da batalha
de Aljubarrota e da sua principal figura: Nun`Álvares.



Noite. “Chamas da Mocidade”. Fila cerrada de filiados, empunhando bandeiras da Mocidade Portuguesa. Uma voz:
- Era uma vez um povo que nascera
Dum milagre de Deus numa batalha –
E crescera, crescera…
Como todo o que reza e que trabalha.
Esta pequena e juvenil nação
Talhara, com a espada e com o arado,
O direito ao seu fado
E o direito ao seu pão…
E quando à noite, calma, adormecia,
Por ter lidado
Todo o dia,
O mar,
Na voz duma sereia,
vinha cantar-lhe a doce melopeia
dos mundos e oceanos por achar.
E feliz vivia assim.
Mas a cobiça da terra
Premeditou o seu fim
- Por isso lhe moveu guerra.
(Invejas, ódios, rancores
Só atingem os maiores).
- Meu povo destinado
A dar ao mundo exemplos de nobreza;
Meu povo abençoado;
Oh gloriosa terra portuguesa:
Vem defender o teu destino dado
Por Deus,
Quando gravou nos céus,
Perante os piedosos olhos teus,
As chagas do Seu Filho humanizado!

(A fila divide-se pelo meio e afasta-se, um para a direita, outra para a esquerda, deixando ver uma pequena fogueira e uma tenda de campanha do século XII. Junto da fogueira, ajoelhado, de perfil para o público, Nun`Álvares. Outra voz:)

- Numa noite de Agosto,
À luz duma fogueira crepitante,
Que o seu perfil estático modela,
Nuno, quase infante,
Vela.
Que estranha brisa agita os seus cabelos?
E quem deu tanto brilho no seu olhar?
(As nuvens lembram naves e castelos
Batidos pelo luar).
Que murmuram seus lábios? Que oração?
As suas mãos descansam sobre o peito,
No doce jeito
De escutar o bater do coração.

D. NUNO

Senhor!
Teu servo sou, bem pecador,
E sei que não mereço
Seja o que for,
Um divino sinal
Do teu apreço.
Mas, senhor, eu nasci em Portugal!
E é só por ele que rezo.
Tu, que lhe deste a vida
Na espada ungida
Do primeiro Rei
Que lhe talhou a sorte,
Não podes dar, agora, a fria morte
À sua grei.
Senhor!
Teu servo sou, bem pecador,
Mas entrego-te a minha vida inteira.
Dela farei, Senhor, uma bandeira
Pelo amor da Pátria e Teu amor.
Qual outro Galaaz,
Serei puro e audaz,
Protegerei os fracos, as crianças,
E só quebrarei lanças
Quando a causa for justa.
E mais digo, Senhor, que não me custa
Esta promessa,
Pois poderei cumpri-la
Sem que nada mo impeça,
Com toda a força do meu coração
E a alma tranquila,
Se me amparar tua divina mão.
Senhor!
Vai travar-se a batalha decisiva:
Quem sabe se amanhã será cativa
A bandeira que, ao vento, além, se agita?
Senhor!
- Tua bondade é infinita –
Se outra bandeira,
Odiada por ser uma estrangeira,
Manchar meu Portugal de lés a lés,
(Senhor!
Creio na Tua clemência…)
Se o tributo da nossa independência
For o meu sangue: aqui me tens aos pés!

(Cala-se D. Nuno. Curva docemente a cabeça, pronto a todo o sacrifício por amor de Portugal. De novo a segunda voz:)

E Nuno reza, reza… De repente,
Como uma estrema refulgente
Que tombasse do Céu,
Um Anjo lhe apareceu.

(Surge um Anjo, trazendo uma cruz que se aproxima, lentamente de D. Nuno. Este olha-o, num arrebatamento. Luz intensa. A segunda voz continua, sem interrupção:)

Ao seu redor tudo se iluminou
Deus atendera a prece comovida
E em seguida,
Suavemente em seguida,
Pela boca do Anjo assim falou.

Anjo

Vai!
Tua oração
Abrasou meu coração
De Pai.
Sim, eu aceito o teu amor,
Tua vida trilhada em meu louvor,
Teus joelhos no pó e as mãos erguidas,
Exemplo nobre de milhões de vidas,
De outros cometimentos,
De sacrifícios e de sofrimentos;
Por ti eu salvarei a Portugal,
Por essa fé dum outro Galaaz
- De novo, este é o sinal:
Com ele, vencerás!

(O Anjo ergue a cruz bem alto. As duas filas de filiados, vindas da direita e da esquerda de novo ocupam completamente a cena, escondendo D. Nuno e o Anjo. Ao longe, ouvem-se toques de clarins e rufar de tambores. A segunda voz:)

E chegou o momento, finalmente,
De novo extenso campo, frente a frente,
Se avistaram as hostes contendoras.
Agitam-se guiões ao sol da tarde
E no peito de Nuno vibra e arde
A fé nessas palavras salvadoras.
É tão restrita a turba lusitana
Ante a maré que cresce, flui, alaga
Da gente castelhana
Na força rude de quem tudo esmaga!
Mas quem pode lutar contra o direito,
Com Deus por Capitão?
Todo o mais forte, valoroso feito,
Resulta nulo, vão.
- E Portugal, por si, tinha o direito
E Deus por Capitão!
Já o inimigo leva de vencida,
Já foge o invasor…
E a espada de Nuno, erguida,
Dá a exacta medida
Do seu valor.
A estrangeira bandeira
Já se rende a seus pés
- que aleluia percorre a terra inteira
De lés a lés!
Trombeta castelhana:
Teu som, que o Guadiana
Ouvira temeroso.
Aqui, para sempre cessou –
Outro valor se elevou:
Outro valor mais alto e poderoso!

(De novo dividida em duas, a fila dos filiados afasta-se, deixando ver, de pés, a figura do Condestável. Atrás deste, um mastro hasteando a bandeira de Aljubarrota)

D. NUNO

Graças Te dou, Senhor, pela vitória
Que nos deste;
Há-de permanecer na nossa História
A salvadora dádiva celeste.
Pela promessa cumprida,
Portugal Te consagra, d`ora avante, a vida.
E a dilatar a Tua fé irá, por mar,
Em procura de mundos por achar.
Nas brancas velas
Das suas caravelas
Tua bendita cruz há-de bordar.
E por amor de Portugal e Teu amor,
O mundo se abrirá como uma flor.
Depois subirão ao Céu
Os zimbórios e torres das Igrejas.
E na calma do lar ou nas pelejas
No Maduré ou em Fez,
O português
Sempre terá na boca o nome teu.
Eu,
Pra melhor Te servir, professarei:
Dei a espada ao meu Rei,
A Ti, a minha vida, dia a dia…
Aceita, pois, Senhor, o coração
Deste servo que pede o Teu perdão:
Nuno de Santa Maria.
À luz do teu sinal,
Outros continuarão
A lutar e a vencer por Portugal.
E em sua viril beleza
- Novos Alas gentis dos Namorados –
Eternamente a Mocidade Portuguesa
Há-de lembrar os séculos passados
E aprender a lição
Deste espantoso, milagroso feito:
Só vence quem, por si, tem o direito
E Deus por Capitão:

(As duas filas de filiados de novo se vêm unir na frente de D. Nuno. E repetem em coro:)

Só vence quem, por si, tem o direito
E Deus por Capitão!

(Com esta certeza, aqui termina o pequeno apontamento teatral).

Lisboa, 23 e 24 de Julho de 1948.
António Manuel Couto Viana

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